terça-feira, 13 de junho de 2017

crónica nº 2 professor Mário Frota

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COUVERT: DE FACA E “ALGUIDER”

 

DISTORCER A LEI COMO DESÍGNIO MAIOR PARA AGRADAR, NÃO À GREI MAS SÓ AO “RESTAURADOR”…

 

 

 

De há muito que os produtos não encomendados nem solicitados, no domínio do direito do consumo, podem ser apropriados pelos consumidores sem que por eles tenham de pagar o valor que se lhes peça. Como sanção contra os superlativos abusos de que são vítimas.

 

Remonta a 1987 a regra segundo a qual “o destinatário de um produto recebido sem que por ele tenha sido encomendado ou solicitado, ou que não constitua o cumprimento de qualquer contrato válido, não fica obrigado à sua devolução ou pagamento, podendo conservá-lo a título gratuito.”

 

Se alguém recebe em casa, sem haver encomendado, uma enciclopédia, exigindo-se-lhe depois o preço, pode dela apropriar-se sem ter de a pagar. É como que o primeiro dos castigos para o vendedor atrevido que usa de tais estratagemas para forçar o consumidor a comprar. Porque a lei estabelece ainda outras sanções para tamanha “ousadia”…

 

É o que, com expressões idênticas, diz há mais de 20 anos a Lei de Defesa do Consumidor:

 

“O consumidor não fica obrigado ao pagamento de bens ou serviços que não tenha prévia e expressamente encomendado ou solicitado, ou que não constitua cumprimento de contrato válido, não lhe cabendo, do mesmo modo, o encargo da sua devolução ou compensação, nem a responsabilidade pelo risco de perecimento ou deterioração da coisa.”

 

Ora, este princípio, no que se refere aos restaurantes e similares, tem hoje expressa consagração na “Lei das Actividades de Comércio, Serviços e Restauração” de 2015:

 

“Nenhum prato, produto alimentar ou bebida, incluindo o couvert, pode ser cobrado se não for solicitado pelo cliente ou por este for inutilizado.”

 

E por “couvert” se entende “o conjunto de alimentos ou aperitivos identificados na lista de produtos como couvert, fornecidos a pedido do cliente, antes do início da refeição.”

 

Há restaurantes, aconselhados por uma empresa comercial que se faz passar por associação de consumidores que, depois de aporem, na lista, os dizeres obrigatórios da lei, acrescentam descaradamente o contrário, em jeito de interpretação:

 

“Se o produto for colocado à sua disposição e este foi consumido ou inutilizado, o produto pode ser cobrado, mesmo que não tenha sido solicitado pelo cliente.”

 

E afixam, à entrada, um texto da famigerada DECO-PROTESTE (a tal empresa comercial belga que se faz passar abusivamente, entre nós, por associação de consumidores):

 

“Quem cala consente, mas quem trinca consente mais e não pode reclamar quando detetar, na conta, as entradas que não pediu. Se não está interessado em consumir o que está na mesa, alerte o empregado. O cliente pode recusar pagar o couvert que não pediu, mesmo que o consuma? Não pode, porque consumir faz a diferença.”

 

E o rol de disparates continua…

 

Talvez por se tratar de uma empresa mercantil, a solidariedade entre empresas conte.

 

E vai daí subverte de todo o sentido e alcance da norma. E “interpreta-a” às avessas, distorcendo de todo o seu significado para “agradar” ao infractor… contra o consumidor!

 

É bizarro aquilo a que se assiste com um despudor inaudito.

 

E assim se vai entoando o “triste fado”, nesta austera, apagada e vil tristeza, em que as leis são mandadas às malvas com a generosa “interpretação” “contra o consumidor”! Da lavra de “jurisconsultos” de pacotilha ao serviço de interesses que não são nem sérios nem autênticos nem acidentais…

 

A palavra, enfim, à tutela!

 

Mário Frota

 

apDC – DIREITO DO CONSUMO

 

· O autor não aderiu ao AO 90

 
 
 
 

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